Os deuses dos esportes, quando estão de bom-humor, costumam mandar alguém para demarcar um legado irreparável e indiscutível na modalidae. Assim deve ter sido com Pelé, Ademir da Guia, Michael Jordan, Messi, LeBron James, Roger Federer, Usain Bolt, Serena Williams e mais um panteão.
Mais do que títulos e prêmios, são figuras cujo legado dentro de seu esporte é imensurável, impossível de se mensurar apenas em estatísticas ou troféus. E parece até loucura dizer, por mais utópico que seja, mas temos esse prazer: nós, palmeirenses, estamos diante de um desses enviados dos deuses da bola. E muito mais que pela sua qualidade ou talento, mas pelo mais importante pare se tornar uma lenda: seu legado.
Dos percalços pelo caminho
Há cerca de 25 anos, o modesto Penafiel de Portugal, hoje na Segunda Divisão, subia um franzino lateral-direito da base. Apesar da pouca técnica ou qualidade ofensiva, o jovem compensava com bastante intensidade, disposição e disciplina tática.
Não precisa ser um palmeirense fanático para saber que estamos falando de Abel Ferreira. Como jogador, Abel nunca foi unanimidade. Se transferiu para o Braga e teve talvez o ponto alto de sua carreira no Sporting, mas sem muito destaque.
Ascenção meteórica como treinador
Uma grave lesão no joelho nos seus tempos de Sporting fez Abel encerrar sua carreira como jogador aos 34 anos. Mas ao invés de se afastar dos gramados, ali começava sua verdadeira jornada. No mesmo ano assumiu a equipe de Juniores do Sporting, sendo campeão Português. Foi promovido para ser treinador da Equipe B do time e repetiu o sucesso, chamando a atenção do lendário técnico português Leonardo Jardim.
Abel ainda passou pela Equipe B do Braga, promovido depois para o time principal, até ter seu primeiro trabalho reconhecido: após bater o recorde de melhor campanha da história do Braga, o tradicional PAOK, da Grécia, pagou 3,5 milhões de Euros para contar com o treinador.
O Dia das Bruxas. Mas para os rivais do Palmeiras.
30 de Outubro de 2020. O Palmeiras recém havia demitido Vanderlei Luxamburgo e visava um técnico novo, em todos os sentidos. A diretoria buscava um treinador moderno, adaptado ao futebol atual e, prefencialmente, estrangeiro. O nome da vez era um só: Miguel Angél Ramirez. O treinador havia encantado a América do Sul com o seu Independiente del Valle e era o alvo número um do do Palmeiras. Sua recusa se tornou inclusive motivo de piada dos rivais.
A “solução” foi um português que não andava bem na Grécia. 600 mil Euros era sua multa rescisória, o que parecia loucura na época. Seu histórico parecia “cru” e a imprensa e os rivais não perdoaram. Muitos argumentavam que era uma cópia barata de Jorge Jesus, outro português que fez sucesso por aqui. Alguns diziam que a diretoria já não sabia o que fazer. Haviam outros prevendo até rebaixamento no ano seguinte. Fato que o dia 31 de Outubro, quando Abel Ferreira foi oficializado e os memes e notícias viralizaram, foi realmente um Dia das Bruxas para os palmeirenses: afinal, nem o mais otimista dos torcedores sabiam do que estava por vir.
Abel Ferreira e seu legado
É até dispensável falar dos títulos de Abel pelo Verdão. Paulista, Libertadores, Copa do Brasil, Recopa ou o que quer que seja, Abel conseguiu fazer com que isso fosse o fator “menor” em sua dinastia no Palmeiras. Desde que chegou ao clube, o português instituiu uma cultura de trabalho vitoriosa, eficiente e revolucionária. Tonou-se sinônimo de esforço, suor, vontade. E soube, com maestria, transmitir isso para todo um elenco e um grupo de funcionários, desde a presidência até cada roupeiro.
O português também é polêmico: se esbraveja com a arbitragem, com a má qualidade dos gramados, com o calendário apertado. Todas reclamações mais que justas, que não afetam só o Palmeiras como o futebol brasileiro. Seu tom de voz é questionado, sua postura criticada, suas frases até distorcidas, mas até o mais doente dos rivais admite: seu profissionalismo deixou uma marca irreparável no futebol nacional.
Um dia, infelizmente, Abel deixará o Palmeiras. Com certeza será uma missão quase impossível encontrar um treinador com as mesmas capacidades táticas e psicológicas com ele. Mas Abel pode se orgulhar de ter deixado uma cultura no clube (e no Brasil). A ideia de que o trabalho, o estudo e o coletivo superam a simples ideia de talento individual. Provou que é necessário ter o coração quente, mas a cabeça fria. E esse mantra, envolto de tantos títulos e conquistas, é a prova de que Abel Ferreira já deixou um legado enorme no futebol brasileiro. Pena que talvez só vamos perceber lá na frente, quando já não for habitual termos o português agitado na beira do campo.
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